quarta-feira, 19 de maio de 2010

Quem é o meu "general"? Por Mariana Chetto


Pensei que fosse só eu que travava esta batalha com este outro eu que infelizmente, diferente do de Alba, ainda está sem nome e sem contornos assim tão definidos. Deve ser porque Alba percebeu sua presença bem antes de mim - tomara que seja só isso mesmo e que com tempo e evidentemente dedicação, eu também possa reconhecê-lo assim de pronto.

Meu momento definitivo também se deu pela morte. Meu filho João faleceu quando tinha 03 anos e meio de idade. É estranho realmente, mas como disse muito bem Alba, a morte é generosa... Ela pode ser uma porta aberta para o autoconhecimento. A dor profunda é um caminho direto para o fundo do poço e o fundo do poço, longe de ser um bom lugar, é o melhor para enxergar todos os nossos “eus” escondidos, reprimidos, abafados, negados... E para quem conseguir, pode sair das entranhas uma nova criatura. Melhor, com maior potencial de ser feliz porque agora, começa a ter consciência de quem realmente é...

Como disse anteriormente, o meu personagem ainda não tem nome, mas começo a perceber claramente sua presença em algumas situações. E assim que percebo tenho tentado permitir que ele se manifeste, apareça e grite até, se for o caso. Só assim, reconhecendo sua existência posso conviver com ele e usufruir de suas qualidades, porque, como disse Alba, ele pode parecer bem cruel, mas tem qualidades que preciso para sobreviver...

Creio que neguei tanto este meu outro eu que ele andava (e ainda anda) com dificuldade de se insurgir, ou seja, diferente de Alba - que agora, às vezes, até precisa dá um chega pra lá nele - eu preciso é deixá-lo livre, solto para falar. Botar a boca no trombone...

Hoje reconheço que mais da metade das situações realmente complicadas, difíceis e até mesmo tristes que eu me meti e ainda me meto é porque nego esse meu “general”. Não deixo ele se manifestar. É que fomos ensinados a ser bons, abnegados, cristãos, etc, etc. Ok, Ok, tudo isso pode até ser muito bom. Se for real. É, real mesmo. Explico, ou melhor, exemplifico:

Sua vizinha quer que você olhe o filho dela por 05 minutinhos enquanto ela vai ali, rapidinho, comprar um remédio. Ora, como alguém pode se recusar a prestar este favor? São só 05 minutinhos e a farmácia é ali do lado prédio. Você não tem coragem de negar, né? Como dizer àquela vizinha legal que você não pode ficar 05 minutinhos com o filho dela porque você não sabe, não gosta e não quer lidar com criança, porque você tem pavor que ele quebre seus preciosos cristais e principalmente porque você está muito ocupada assistindo a uma série de TV que você ama e nunca perde um episódio se quer? Você não tem coragem de dizer isso porque todas estas razões lhe parecem tão banais, fúteis, feias e sei lá mais o que. Aí, você como boa cristã diz sim. Pronto. Está feito. A criaturinha entra no seu ap berrando porque a mãe saiu e você não sabe o que fazer para ela parar. Oferece um sorvete, bala e nada funciona. Você vai até a cozinha pegar um pedaço de bolo de chocolate que estava guardando para comer mais tarde. Enquanto isso a criatura pega o controle e muda o canal na hora em que o mocinho ia revelar o nome do assassino. Pra fechar quando você corre para mudar o canal esbarra no vaso de cristal que você comprou em Paris naquela viagem maravilhosa no ano passado... Quando a mãe chega, 05 minutos depois, te encontra dando um belo beliscão no filho. Conclusão: você é uma pessoal horrível que maltrata crianças por diversão!

Risadas a parte o fato é que, se ela tivesse reconhecido que não curte criança, que não aceita invasão do seu espaço, que não suportaria abrir mão daquele momento e dito simplesmente - sinto muito, mas não vou poder te ajudar. Não é um bom momento para mim - teria sido muito melhor, não? Mas a pessoa do exemplo, assim como eu, acha que deve ser sempre a boazinha, a que sempre está disposta ajudar... Só que não é, ou melhor, não somos (ela e eu). Mas não é fácil reconhecer este outro “eu"... Deixá-lo se mostrar...

Não estou dizendo que é bom a gente ser assim ou assado. O que estou dizendo que é bom a gente ser a gente. Sem máscara, sem truques, sem disfarces. Só assim podemos caminhar na melhor direção e conviver pacificamente conosco e com os outros. Quando não fingimos ser o que não somos deixamos claro pro outro o que podemos ou não fazer. Sem joguinhos, sem adivinhações, sem gerar falsas expectativas. Se ainda assim o outro insiste aí já é um problema dele, não seu...

Bom, Bal, não consigo ainda apresentar o meu personagem assim tão definido como você, mas pelo menos já não nego sua existência. Não sempre!

Amei o tema!

Bjs.
Mari

Quem tem medo do general, general, general?


Eu tenho. (risos)

O general é o meu lado mais difícil. Aquele que é indomável, assim meio mandão. Me leva a fazer coisas, falar de um jeito que eu não gosto muito. Meu general é cheio da bossa, tem opiniões formadas, tenho que lembrá-lo, suavemente, que as pessoas podem pensar diferente... Se tivesse uma nacionalidade seria uma mistura de italiano com americano. Pragmático e teimoso.

É um pouco implicante, gosta das leis, impaciente e sente uma certa dificuldade para desculpar. E para dizer que tem essa dificuldade também.

Meu general tem uma personalidade forte e aparece nas horas em que é necessário controle, rapidez, racionalidade e frieza. Acontece que, se eu der corda, ele quer ficar pro almoço, e aí, não pode.

Já briguei muito com ele, por muitos anos. Primeiro achava que ele não existia. Era uma lady, uma doce criaturinha meiga, chamada de Chanel na faculdade. Como poderia ter um general? Tão maternal...

Depois, mais tarde, comecei a enxergar ele em algumas outras pessoas. Claro, não gostava. Era sempre alguém que tinha esse general petulante, arrogante, mandão, lá. No outro. Lá, bem longe. Vamos evitar essas pessoas general, ou combatê-las. Mas quem combatia os outros generais? Quem?

Um belo dia, aos 20 e poucos anos, essa pergunta começa a ser respondida. Muito choro, muita dor, muita surpresa. Eu? Um general? Esse ser habita em mim? Mas, vejam bem, só um general descobre outro.

Alguns anos de terapia, investigação pessoal, observando... descobrindo a história do milico... Como nasceu, onde, quando resolve sair da toca e atacar. Como funciona. Quem era. Muitas discussões com ele, negações, sofrimento. Porque ao lado do general tinha a não aceitação da existência do general. Se pudesse, ele não existiria e tudo seria bom no Reino das Águas Claras de Lobato.

Só pude encontrar meu general devido a uma forte situação e necessidade emocional que se seguiu: a morte do meu pai. Interessante, não?! A morte é generosa...

Como não queria escutá-lo por acreditar desde criancinha que generais são cruéis, não são cristãos e devem ser amortecidos, ele teve que gritar alto durante algum tempo. Ele surgia do nada e quando menos esperava, saltava pronto a trabalhar. Olhava para ele assustada, e queria esconder aquele rapaz de qualquer jeito em algum lugar. Engolí-lo, talvez. Levei uns bons anos fingindo que ele não existia. Tapando a boca do general.

Comecei a perceber que me perdia, me derramando em bondade, em concessões. Ficava desanimada (no sentido de sem anima mesmo, sem alma). Sem energia, sem risada, sem paixão. Perdia a minha forma, uma parte da essência. Como poderia sentir o sabor doce, sem o salgado, o amargo e o sem sabor?


Outro momento espelho, espelho meu, e outra descoberta importante. O general não é de todo mal. Comecei a perceber os seus motivos, a sua função na minha vida.

O meu general me ensina a sobreviver. A dar limites e receber limites (porque só um general respeita outro general). Ele sabe enxergar o perigo, analisar rapidamente e criar as estratégias de salvação.

Vi vários tipos de generais por aí (expostos, dissimulados, atabalhoados e bufões, tirânicos, religiosos).Vi um general ativando outro general. Vi a falta que um general faz. Vi ele diminuindo de tamanho, inclusive. Como tinha medo dele, e então apagava a luz da consciência para não ver, ele se mostrava bem maior do que realmente era. Mais feio, mais monstruoso. Vi, inclusive, a necessidade das qualidades dele para a vida funcionar no seu cotidiano, como realizar metas, ganhar dinheiro, cumprir prazos, lidar com relações de poder, trabalhar, reconhecer embusteiros e algumas ciladas. Vi ele dar socorro, não se desesperar e se perder nas emoções.

Vi a compaixão que mora no coração do general.

Ainda me vejo negociando com ele, (re)conhecendo a sua presença. Ele é um amigo da minha história, esse general.

E vocês, TPMs, também possuem um general parte de vocês, ou algum outro personagem que tenha dado trabalho?


Alba Querino