domingo, 18 de julho de 2010

A tal culpa... por Bianca Chetto

É estranho perceber o que o tempo faz com a gente. Se eu tivesse que escrever esse texto dois ou três anos atrás você estaria lendo uma confissão dolorosa de quem se sente culpada por absolutamente tudo. Eu me lembro de escrever palavras desesperadas no meu diário, me lembro de chorar por não estar fazendo nada ‘de bom’, nada de ‘útil’. Me lembro de sentar no banco do Aeroclube com minha mãe e tia Mari num dia em que elas me acharam meio abatida e tentar explicar o peso que trazia comigo. E então, me lembro de tia Mari me abraçando e dizendo que também se sentia assim. Assim sentir culpa sempre foi algo normal pra mim. E foi só quando eu sentei pra escrever esse texto que eu percebi que eu não sinto esse tipo de culpa há muito tempo.


Não sei se isso é bom. Acho que a culpa sempre serviu pra me lembrar dos outros, pra que eu tivesse consciência do mundo, da vida do outro, da realidade alheia. Pra me lembrar de que nada é só meu, de que tudo no mundo deve ser compartilhado, de que eu preciso retribuir o que me foi dado de alguma maneira.
Agora, me pego perdendo horas a fio pensando no que vou vestir, me pego sonhando com um carro bonito, me sinto realmente preocupada com o shampoo que vou usar no cabelo. Sinto vontade de chorar querendo jogar todas as minhas roupas no lixo e fico querendo juntar dinheiro pra comprar coisas novas. Talvez isso seja tema pra um novo post, mas sem entrar nas muitas camadas que envolvem essa nova ‘vaidade’ (camadas que não tem nada haver com culpa), o que estou tentando dizer é que agora que não me sinto mais culpada, me sinto mais futilizada.
E aí me pego travando uma constante batalha interna entre o que eu fui e o que eu estou me tornando pra decidir no que é exatamente que eu quero me tornar. “Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo.” É o conflito de Drummond, o conflito dos poetas entre a estética e a ética. Entre o que se quer como homem narcisista, e o que se acredita que deve querer enquanto homem de ética.
Me culpar por sentir prazer em coisas supérfluas, por passar muito tempo pensando em mim, muito tempo no computador, muito tempo na televisão, muito tempo no shopping, muito tempo fazendo todas aquelas coisas que alimentam e, principalmente, distraem a mente mas que não são suficientes pra satisfazer minha alma... Sim, esse tipo de culpa machuca, confunde, pesa. Mas ao mesmo tempo me mantém em contato com esse outro lado de mim, essa parte que está ligada diretamente à Terra, ao universo.
A ausência total de culpa por mais maravilhosa que me pareça, não deixa de soar algo próximo da alienação pra mim. Talvez eu esteja me expressando mal... A culpa de que estou falando não é no sentido de achar que se as criancinhas morrem de fome na áfrica a culpa é minha por que às vezes desperdício a minha própria comida. Não. A culpa que eu falo é a de não fazer nada para que as criancinhas que morrem de fome na áfrica parem de morrer de fome. Não acredito que seja correto viver a vida inteira sem contribuição alguma. Qualquer que seja essa contribuição. E por acreditar nisso, quando não contribuo, me sinto culpada sim. E aí, me lembro do caminho que escolhi pra mim, e tento agir de acordo com o que acredito.
E é por isso que passar tanto tempo sem me sentir culpada, e sem estar fazendo absolutamente nada de caridoso, me deixa preocupada. E aos poucos eu vou lutando pra conservar toda a vontade de mudar o mundo que o adolescente tem e que parece sumir com a vida cotidiana. E no fundo, eu espero que a culpa volte, só um pouquinho, pra me ajudar a ser mais humana.
peace yall.
Bia.

2 comentários:

Alba Querino disse...

"...uma constante batalha.(...) “Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo.” É o conflito de Drummond, o conflito dos poetas entre a estética e a ética. Entre...homem narcisista, e o ...homem de ética."

Muito lindo seu texto Bia, me emocionou...

Giovana disse...

Muito, muito feliz por ter trazido vc ao mundo! Quando me lembro das circunstâncias de sua vinda, só posso dizer - muito obrigado, meu Deus, por eu ter merecido este presente...